Do ressentimento individual ruidoso ao discurso coletivo: o exercício do direito à comunicação como estratégia de resistência
Oficina da Associação, realizada com professores de escola pública de Belo Horizonte.

Do ressentimento individual ruidoso ao discurso coletivo: o exercício do direito à comunicação como estratégia de resistência

Artigo publicado no site do PT Minas, por Jaqueline Morelo

Neste terceiro ano do necrogoverno Bolsonaro,  catapultado à presidência após o golpe político-jurídico-midiático,  o recrudescimento da censura e perseguição a jornalistas independentes exige que fortaleçamos a luta pelo direito à comunicação. A garantia da liberdade de expressão e o direito à informação dos cidadãos é condição para que alcancem um patamar de igualdade no fluxo informacional que os possibilite superar a posição de passividade – ainda que ocupem de forma ruidosa as redes sociais -, frente à destruição do país.

Para tanto, é imprescindível que o individualismo colérico de milhões de indivíduos expresso nas redes sociais, desabafo emocional que resulta, quase sempre, em nada, se transforme, como defende o sociólogo francês François Dubet[1], em questionamento das causas reais dos problemas e, principalmente, em um discurso coletivo que traduza as diversas indignações que, apesar de corroerem nosso fígado, não têm produzido ações de resistência ao desmonte das políticas públicas, da economia e do Estado.

Este momento convida a esquerda, firmada na responsabilidade e na esperança, vocalizar as indignações: “dar voz a essa generosidade, em vez de correr atrás das cóleras que os populismos e a internet captarão melhor do que ela”, sinaliza Dubet, sugerindo que perde-se muito tempo e energia ao responder ao populista de ultradireita que utiliza, justamente, as encenações e provocações diárias para manter acessas as paixões tristes (cóleras e ressentimentos), das quais se alimenta para manter-se no poder.

Se concordamos com esse caminho, é preciso pensar em como percorrê-lo. Nesse sentido, revisitar as formas de comunicação criadas pela resistência popular no país ao longo do tempo pode nos inspirar para apresentarmos algumas possibilidades de ação nessa direção.

Especialmente a partir da década de 1970, a comunicação popular e comunitária, assim como a imprensa alternativa, entendidas como livres porque desvinculadas dos aparatos governamentais e empresariais, foram importantes instrumentos de vocalização de indignações e lutas diversas. Moradia, transporte, melhores condições de trabalho e salariais, mobilidade urbana, redemocratização do país, igualdade de gênero, são alguns exemplos.

Atividade de oficina de mídia em escola pública

Portanto, a comunicação alternativa sempre foi uma opção (como canal de expressão e de conteúdos comunicativos) à grande mídia comercial e à mídia pública de tendência conservadora. As diferenças são percebidas na direção político-ideológica, na proposta editorial – tanto pelo enfoque dado aos conteúdos quanto pelos assuntos tratados e pela abordagem crítica -, nos modos de organização (de base popular, coletiva, no quintal de militantes) e nas estratégias de produção/ação (vínculo local, participação ativa, liberdade de expressão, uso mobilizador), entre outros aspectos.

 Propostas para a elaboração de um discurso coletivo

As conquistas relacionadas à diversas experiências de comunicação alternativa nos permitem afirmar que muitas delas contribuíram, efetivamente, para a transformação da realidade local ou mesmo nacional. Ao mesmo tempo, o protagonismo social, especialmente na atividade de produção de conteúdo, que demanda capacidade reflexiva, contribui para a formação de uma consciência crítica da realidade social.

Além disso, ter um canal de representação dos próprios interesses, para a produção de informação do ponto de vista popular, com o envolvimento de muitos (comunidades, sindicatos, grupos de interesse) e troca de conteúdos representativos, favorece a elaboração de propostas de ação coletiva.

Dessa forma, sugerimos que seja elaborado um Plano de Incentivo à Comunicação Alternativa, para ser executado em escala, visando identificar e ofertar as condições necessárias para a criação de propostas em todo o país, bem como fortalecer as iniciativas já existentes. Nesse sentido, é preciso, a um só tempo, planejar o que pode ser feito a partir de cada realidade local ou regional, e oferecer a curto prazo formação político-cidadã e nas áreas de educação para mídia, comunicação popular e segurança digital para coletivos, associações, movimentos sociais, organizações sociais e lideranças comunitárias.

É importante que o Plano também proponha formas de estímulo à formação de redes de coletivos, ativistas, jornalistas livres e intelectuais, para que haja troca, elaboração conjunta de discurso para enfrentamentos diversos, e a atuação de cada um possa ser replicada e potencializada.

Como ativista e diretora da Associação Internet Sem Fronteiras – Brasil, não poderia deixar de mencionar a defesa da liberdade de expressão na internet, a proteção dos dados pessoais dos usuários, a neutralidade da rede, assim como lembrar da necessidade premente de elaborar estratégias que façam avançar a democratização da comunicação, a governança da internet e a transparência das instituições de nosso país.

[1] Na obra O tempo das paixões tristes, o autor é guiado pelos seguintes questionamentos: como superar o momento da cólera e da indignação? Como oferecer uma solução política ao sistema das desigualdades múltiplas? Como dar perspectivas de justiça social e reforçar a vida democrática?

Deixe uma resposta